Big Boy
Big boy,
Hoje vendo o instagram do Evandro Mesquita lembrei me de você, era pra você estar assim que nem ele, cinquentão, bonitão, com um sorriso bem aberto curtindo um rock n roll umas pingas diferentes, uns uisques importados, mulher bonita, carro novo, fazendo umas piadinhas sarcásticas com seu humor tão próprio. A gente sempre se estranhava, afinal eu era o esquerdista da família e você aquele perfil de quem fez veterinária nos anos 80 e teve que se casar e trabalhar cedo pra sustentar a família, mas tínhamos umas conversas muito boas também, eu via nos seus olhos como você me respeitava e sabia que eu era capaz de assumir responsabilidades, um dos seus últimos pedidos foi pra que eu ficasse mais próximo do Gustavo, lembra? Que chamasse ele pra sair etc. porque ele era muito quieto, o que achei engraçado porque eu já gostava muito de fazer isso!
Voltando aos anos 80 eu não consigo imaginar como foi difícil ser o aluno do interior pobre no meio daquele tanto de filho de fazendeiro - filhinhos de papai - e você detestava isso, sempre que podia dava um jeito de mostrar pra essa galera que a vida é dura e que o mérito a gente conquista na raça, e dai vinha muito do seu humor, das suas indiretas contra essa burguesia tão acomodada da cidade grande - em outras palavras, esses homens frouxos!
Você me inspirava e ainda inspira, coragem, determinação, e a beleza de chegar lá, o primo pobre, o único homem de seis irmãos. Nunca vou me esquecer do cavalo de pau no fusca, de quando você puxou as orelhas minha e do Vitor porque esquecemos a água ligada, achei a maior injustiça do mundo por um tempo, mas depois percebi que aquilo era a coisa mais justa a se fazer, fomos punidos igualmente - eu e seu filho - e fomos punidos por sermos os mais velhos, mesmo você estando irado foi somente o necessário. Aquilo me ensinou pela primeira vez que sendo os mais velhos, estando certos ou não, nós tínhamos mais responsabilidade do que os mais novos porque precisávamos olhar pelos mais novos.
A sua partida mudou a realidade de todos nós, mudou principalmente a forma como vemos a vida e os problemas, me ensinou a olhar mais pela minha mãe, me ensinou que honra nenhuma, medo nenhum, pode fazer com que cheguemos a acreditar que o amanhã não vale a pena. Eu não tenho que te perdoar embora tenha ficado irado algumas vezes - sem entender. Se tem uma coisa que aprendi tendo pai louco e sendo também eu bem louco, é que não se pode julgar a dor do outro, a química do cérebro. Viver e morrer se separam por um instante muito tênue, uma besteira e pronto! Aprendi isso com pai playboy, aprendi isso sendo também eu um playboy algumas vezes, batendo o carro, quase capotando, dando cavalo de pau, arranjando briga, usando "tóxico"...Mas graças a Deus voltei logo para o estilo Rogério Viana de ser, do menino pobre, com tios ricos que precisa estudar e trabalhar e pra comprar os brinquedos que não teve na infância.
Não vou mentir e não posso te culpar, a culpa nunca é dos outros, é sempre nossa, mas desde aquele dia fatídico uma coisa mudou em mim, em todos nós eu acredito, em cada um de uma forma diferente. Passados alguns meses eu já não suportava a namorada com os dramas burgueses, um dia ela me ligou chorando de manhã, e eu tinha começado a ficar em pânico com ligações, como se a qualquer instante alguém fosse me noticiar uma tragédia, ela tinha perdido uma prova, ahh big boy...Eu destruído porque tinha perdido um alicerce da minha vida e aquela menina rica dos olhos verdes me deixando ainda mais em pânico pela manhã porque não foi competente o suficiente pra chegar de carro em um endereço, eu estava mais bitter, cansado, querendo que alguém olhasse por mim embora não demonstrasse isso - a gente não sabe demonstrar quando ta mal, isso é um problema nosso né!?
Enfim, aquela lenga lenga pseudofeminista e aqueles dramas médio classistas foram começando a me irritar, eu fazia a comida, limpava a casa, estudava e morava de favor, não estava afim de gente fraca, eu agia no automático e apesar de nunca ter broxado pensava em outra mulher pra poder transar, uma situação indigna considerando que era uma pessoa que gostava tanto, terminei o namoro, eu queria uma mulher sabe, alguém pra ter planos, ter família, alguém foda o suficiente, decidida, que vai atrás do que quer e eu encontrei - não sem antes passar um ano inteiro meio perdido, não sem antes ter saído algumas mulheres bem diferentes. Um dia, em plena segunda feira sai com uma menina que tinha uma tatuagem gigante na barriga escrito sk8board, foi bem estranho, mas engraçado também, essa história eu vou te contar pessoalmente um dia.*
Mas sabe, mesmo namorando e tendo terminado o mestrado, aquele medo, aquela necessidade de estar trabalhando, de ser respeitado, aquela agonia de não conseguir pagar o jantar pra nós dois, foi me tomando conta, eu já tinha esse seu jeito, mas acho que ficou mais forte, não queria ser um peso, não queria dizer não, não queria não poder bancar uma mulher bonita como se deve, e nós sabemos, isso é bem machista, mas foda-se, isso é também muito prazeroso e cheguei a conclusão de que minha vida ali não faria muito sentido nessa posição de rato,além disso, não posso deixar de dizer, um certo vazio, uma certa solidão, me acompanhavam, não é possível dizer que as coisas não perderam um pouco o sentido quando seu tio mais próximo, mais homem, mais bem sucedido, se enforca numa manhã de um dia de semana, a linearidade foi quebrada, afinal essa era última coisa que eu poderia esperar.
Se Goiânia não tinha muita graça pra mim, depois foi ficando ainda mais caipira, brega, agonizante, na minha família parte de pai as coisas também não iam bem e eu mesmo estando com uma mulher fantástica não aguentava mais aquilo, e não aguentava saber também que o que eu podia dar para ela era meu imenso vazio, sabe big boy... se falasse "meu imenso vazio" você talvez risse, com aquela cara de " que frescura" mas hoje eu e você sabemos que isso não é frescura e que nós temos que falar mais dessas coisas para que possamos continuar...vivos! Não minto, durante muitos dias aqui em Londres e mesmo em Goiânia eu só pensava " Porque eu simplesmente não morro" viver não é fácil, a dor atormenta, e a falta de sentido dói no peito.
Eu quero sentir amor, fazer algo que me motiva, que me deixa ligado como quando tomo café, eu descobri a sala de aula, e isso me eletriza, quando estou em classe é como se estivesse tocando o céu, essa foi a maior descoberta desse ano, saber o que quero pra minha vida, isso é uma dádiva muito grande, nem todas as pessoas encontram essa resposta. Mas ainda assim estou sozinho, no place to go, meu machismo misturado com orgulho, trauma e desejo de ver o mar não me fazem querer voltar pra Goiânia, sinto falta da minha mãe, do meu pai do meu irmão, dos meus amigos, de pedalar com o Vitor, de sair pra comer pizza com o Gustavo- talvez eu seja meio mesquinho, mas você me entende né big boy? Pra gente conseguir o que quer precisamos ter a coragem de fazer algumas decisões.
Pra terminar porque estou quase dormindo queria te dizer que minha mãe continua sua melhor amiga, sua fiel escudeira, e que seus filhos continuam meus melhores amigos e a cada dia são homens mais dignos, mais éticos, e mais amáveis, e que minha tia continua muito amorosa, simpática e bonita, infelizmente Big Boy - ou felizmente - acho que nenhum outro homem terá chance com ela, sua presença continua muito forte, e isso é culpa sua, por ser tão único, tão forte, tão preenchedor dos espaços.
Não gosto de incomodar espíritos, tenho certeza que você tem muitas coisas pra fazer ai perto do meu avô e da minha vó, mas se tiver um tempinho manda um abraço pra minha mãe, nós não temos que te perdoar, talvez Deus tenha, não entendo as dinâmicas do universo, mas quer saber de uma coisa? Fique tranquilo, ninguém vai te julgar, você era boa praça, bom pai, bom irmão e um excelente tio, excelente modelo a ser seguido! Qualquer besteira que as pessoas falarem sobre isso...simplesmente deixe pra lá! Nos últimos momentos do seu enterro eu fiz questão de dizer como me orgulhava de você, usando uma camisa bonita que vocês tinham me dado de presente...Espero que essas palavras não te incomodem, isso é pra você, mas também é pra mim e pro mundo, pra que você me entenda melhor!
Muito obrigado por tudo e descanse em paz!
* Espero que o céu não seja um lugar completamente politicamente correto e chato em que a gente não possa falar merda e beber umas de boa, afinal quero ouvir aquelas histórias que você não podia me contar porque sou seu sobrinho etc.
*Não sei se você vai gostar do Big Boy mas você chamava as pessoas de garotinho ou de doutor, peguei essa mania de falar doutor um tempo, depois parei, aqui em Londres eu digo Man "Hey Man" Hi Guys" mas o Big Boy é porque no fundo você nunca cresceu, gostava dos carinhos de controle remoto, jogava video game com a gente, via fórmula 1, grande, grandessíssimo homem que não deixou de ser também garoto, de sonhar, de provar pro mundo sua raça
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